quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Olhar sobre a cidade: Fortaleza de braços abertos

Do alto do compartimento frio de um avião, já posso avistar a cidade que se abre para acolher quem chega. O sentimento é a alegria de poder se sentir novamente em casa, com todo o aconchego que somente esta traz... A cena se repete de vez em quando, no trajeto entre Brasília – onde moro há quase quatro anos – e Fortaleza – minha terra natal. Desde que nos “separamos”, muitas mudanças se delinearam, mas a impressão é a mesma: a de um reencontro com um velho amigo, como se o tempo tivesse mesmo parado.

É engraçado quando falo sobre minha origem, a reação é imediata: “Como você pôde deixar aquela cidade maravilhosa, com praias tão lindas?”. Eu, claro, fico orgulhosa, afinal, quem não gosta de receber elogios? Entretanto, percebo que minha relação com Fortaleza ultrapassa os limites dos estereótipos reforçados pela “indústria” do turismo. Quando penso na cidade, a primeira lembrança que me vem à mente – e ao coração – são as pessoas. O abraço caloroso, a fala melódica e expressiva, o riso solto e estridente... É impossível não querer bem!

A singularidade da capital cearense também se revela nos contrastes. De um lado, estruturas erguidas para receber um público que vem de fora, sedento por conforto, lazer e sofisticação. São hotéis, restaurantes e barracas de praia que mais parecem clubes; um pacote para ninguém botar defeito. De outro, a periferia, que apesar dos inúmeros problemas, reflete a criatividade e a luta de uma gente orgulhosa do que é e mostra seu valor.

Fortaleza, para mim, também tem gosto de infância, de uma ingenuidade que quase não se vê hoje em dia. Lembro-me de quando era criança e saía brincando pelas ruas sem preocupação com a violência ou o perigo dos carros. Uma liberdade que, infelizmente, parece ter ficado apenas na memória dos mais “vividos”... Com o crescimento acelerado da cidade, o que vejo, pelo menos entre os que estão próximos, são meninos e meninas cada vez mais confinados às fronteiras de suas residências, reféns das novas tecnologias. Os tempos, de fato, são outros; isso é inegável. Porém, acredito ainda ser possível investir em espaços públicos que promovam experiências lúdicas, possibilitando que essa nova geração, assim como a minha, também tenha, no futuro, boas histórias para contar a partir de um vínculo que estabelece com o lugar onde vive, histórias que deixam saudade...

E por falar nessa palavra eminentemente brasileira, quando penso em visitar a “terrinha”, como carinhosamente gosto de chamá-la, não abro mão de desfrutar da comida local. Ah, dessa eu sinto falta! Por mais que hoje a culinária seja praticamente “universal”, há certos sabores que têm mais graça se experimentados in loco. Não é uma simples questão de combinação de ingredientes, mas de envolvimento com o preparo. Cozinhar é uma forma de demonstrar afeto, e cada delícia posta à mesa reflete o zelo e a satisfação pela presença do outro. Às vésperas de chegar à cidade, enumero para minha avó uma série de receitas que ela costumava preparar para mim... Toda alegre, ela logo se prontifica a providenciar cada detalhe e, de fato, não deixa a desejar. Quer carinho melhor do que esse?

É por essas e outras que, na hora de ir embora, a tristeza bate à porta. A vida, porém, segue seu curso, e nós precisamos fazer escolhas. Retornar a Fortaleza é sempre uma possibilidade de encontro comigo mesma, com meus valores, minhas recordações. Por isso, ao lançar um olhar sobre essa cidade, percebo que há muito dela em mim. Mesmo que os anos passem, e a imagem guardada seja até algo completamente distante da realidade, ainda assim, serei eternamente grata por ela me receber de volta com os braços abertos...

* Texto para a coluna "Olhar sobre a cidade" da Revista Siará/Diário do Nordeste (Publicado em 11/11/2012)

Um comentário:

  1. Que máximo, Talita! Estamos no mesmo barco rsrs... Também fico ansiosa por chegar em casa e provar um bom baião de dois!

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